domingo, 7 de abril de 2019

Gramsci - Parte 3

O texto a seguir é a primeira parte de três (Parte 1 e Parte 2) e trata de um estudo para seminário sobre Gramsci. Era para ser utilizado apenas como consulta para a apresentação e por isso não houve rigor em apontar citações. Por fim, como tornou-se maior e mais completo do que esperado, optou-se por compartilhá-lo.
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Em novembro de 1926, Mussolini promulgou uma lei dissolvendo o parlamento e assumiu de vez o governo totalitário. Por seus ideais socialistas num governo fascista, Gramsci foi preso em 08 de novembro 1926, com 35 anos. Sua pena só foi decretada em 1928: 20 anos, 4 meses e 5 dias de cárcere.

Autorização para empréstimo de livros
Em 1929, conseguiu liberação para ler e escrever. Sua cunhada Tatiana Schucht (1887-1943), a irmã da esposa de Gramsci que o visitava semanalmente, levava livros, caderno, papel e lápis, material que utilizou para aprofundar suas ideias e fazer os registros futuramente conhecidos como Cartas do Cárcere e Cadernos do Cárcere. Além disso, Gramsci também era regularmente autorizado a ler livros das bibliotecas das prisões em que esteve – há listas em que constam até oito livros semanais. Em 1932, sua pena foi reduzida para 12 anos e 4 meses. Todas essas benesses que obteve enquanto estava preso, provavelmente foram devido às várias intervenções e pedidos por parte de amigos, em especial Piero Sraffa (economista e professor na Universidade de Cagliari).

De acordo com alguns autores, depois de 1932, Gramsci se afastou do Partido Comunista Italiano. É possível supor este rompimento por algumas sutilezas em seus textos como substituição de “classe proletária” por “grupos sociais”. De modo geral, a maturidade trouxe outro olhar às lutas de outrora, um olhar mais descompromissado com as dicotomias, mais compromissado com o entendimento, com a ética política.

Outros autores indicam que Gramsci saiu da prisão em 1934 para cumprir liberdade condicional, outros que saiu especificamente para tratamento a ser gozado numa clínica. Tendo mudado de clínica em 1937 para ter melhores condições de tratamento, Gramsci morreu de derrame, com sua cunhada Tatiana a seu lado. Contudo, também é possível ler que morreu em sua cela, de tuberculose, sozinho.

Ao longo dos nove anos de prisão escreveu 33 cadernos simultaneamente e divididos em temas, dos quais quatro são exercícios de tradução. Foram escritas 2.848 páginas de textos e notas nos quais registrou o que é a ditadura de proletariado, o conceito de hegemonia e ideologia, de intelectual orgânico e tradicional, e descrevendo uma profunda reforma educacional moral e intelectual das massas. Foi nos cadernos que Gramsci aprofundou suas ideias.

Dos cadernos, o que mais aborda o tema educação é o n. 12, complementado pelo n. 22 (Americanismo e fordismo) e n. 11 (Introdução à filosofia). Os cadernos foram salvos por sua cunhada Tatiana que os levou para fora da Itália. Apenas em 1947, com o fim da Segunda Guerra Mundial, seus cadernos foram editados e publicados de acordo com os temas em seis volumes pela editora Einaudi para serem, em 1975, reeditados, desta vez em ordem cronológica.

É importante ressaltar que a diversidade ideológica apresentada no mundo nos anos de 1930 (fordismo norte-americano, comunismo soviético e nazismo alemão) não esmoreceram o fervor crítico de Gramsci para tentar compreender os processos ideológicos permeados pela educação, economia e política.

Primeiro caderno (1929, 8 de fevereiro)
Aprofundando alguns conceitos em cárcere, Gramsci apontou que apesar de o intelectual não formar uma classe, tem poder sobre a superestrutura, um poder de cunho ideológico, e dividiu-o em dois tipos: orgânico e tradicional. Os tradicionais são os intelectuais que representam uma tradição histórica contínua: administradores, eruditos, cientistas, teóricos. Os orgânicos, como já antecipado, são aqueles que lideram intelectual e socialmente a sociedade por meio da educação e da cultura.

Na prisão, trocando cartas sobre sua sobrinha Mea e seus filhos, Gramsci passou a questionar também o desenvolvimento da criança e como esse desenvolvimento deve ser tratado na escola. Ele entendia que o espontaneísmo deve ser limitado à primeira infância, o que não significa deixar a criança à mercê de si mesma – a criança deve ser orientada, ensinada a se “conformar” com o social para que possa se adequar a ele, mesmo que para criticá-lo posteriormente. Por isso discorda de Rousseau e de Pestalozzi que propõe a total liberdade como forma de aprendizado.

Para Gramsci, é muito mais importante, apesar de difícil, priorizar a disciplina e a sociabilidade para então exigir sinceridade, espontaneidade, originalidade e personalidade, por isso valorizava os estudos que ao mesmo tempo tinham um caráter organizador e prática. Neste caso, usa o exemplo do ensino do latim: havia a rigidez da estrutura gramatical e paralelamente seu estudo histórico, o que trazia um entendimento da língua como um todo. Essa valorização da organização e da disciplina chega a ser tal que admira essas características no taylorismo e fordismo, e consequentemente na organização psicofísica norte americana – o que gerou algumas ideias errôneas sobre seu pensamento.

Gramsci também retoma com clareza a dicotomia entre o ensino clássico e o ensino técnico, divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, reforçando a necessidade de vínculo entre a escola e o trabalho. Mais uma vez, é uma situação na qual se apresenta favorável ao taylorismo, por deixar para trás a animalidade humana e indicar o caminho da racionalização e consequente possibilidade de autocrítica via intelectuais orgânicos.

Ademais, o conceito de educação em Gramsci, apesar de relacionado ao ensino escolar e à dicotomia nele presente, estende-se ao uso dos meios de comunicação, às ações políticas, sindicatos, ao trabalho, às tecnologias etc., ou seja, o conceito de educação em Gramsci é um conceito amplo. Contudo, seu conceito de sistema tradicional de educação, a escola, é orientado para a escola unitária, para a formação de intelectuais orgânicos, para o qual a Rússia pós-revolução tem alguns bons exemplos e que por motivos diversos não se sustentaram – Pistrak citado anteriormente é um exemplo.

Na década de 1980, Gramsci foi muito lido no Brasil. Isso pode ser justificado pela liberdade dada após anos de ditadura militar para a leitura de clássicos marxistas. Neste sentido, Gramsci atendia a necessidade de entendimento da ideologia e da conformação instalados à época, assim como a relação do poder político e econômico com o social. Infelizmente, nesta época, o historicismo por ele tratado não foi bem aceito – historicismo para Gramsci é a filosofia da práxis. Monasta (2010) explica que isto aconteceu porque os “ismos” vêm carregados de uma sutil depreciação e normalmente atrelados à metafísica, à salvação dos problemas. Monasta (2010) apontou quatro possíveis justificativas para tal: é frustrante para os brasileiros buscarem no passado, nada agradável, o entendimento e a prática do presente; a referência escolástica ainda é predominante no Brasil; o positivismo e a sua eterna novidade de pensar o presente para o futuro impera o pensamento contemporâneo; e a influência forte do estruturalismo.

Enfim, Gramsci é uma leitura densa e longa para um caminho tão curto, mas é rica em informações e conceitos que se adensam na medida em que as experiências vão sendo vividas pelo autor. A linha do tempo deixa isto explícito. O processo de construção dos escritos, do conhecimento gramsciano foi intrincadamente histórico e dialético.

(Parte 1 e Parte 2)


OBRAS DE GRAMSCI EM PORTUGUÊS

Pré-cárcere
• Escritos políticos (4 volumes).
• Concepção dialética da história.
• Os intelectuais e a organização da cultura.
• Literatura e vida nacional.
• Maquiavel: a política e o Estado moderno.

Cárcere
• Cadernos do cárcere.
• Cartas do cárcere (mensagens a amigos e familiares).

SITES CONSULTADOS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci
http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Stalin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lenin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Benedetto_Croce
http://internationalgramscisociety.org
http://www.marxists.org/portugues/gramsci/index.htm
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/11/14/gramsci-o-intelectual-organico/
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/10/11/o-primeiro-gramsci/
http://www.diaart.org/gramsci-monument/page56.html
http://omarxismocultural.blogspot.pt/2014/01/o-grandioso-plano-de-antonio-gramsci.
http://www.revistarubra.org/dois-textos-de-antonio-gramsci/
http://www.litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=2077:trostky-e-a-italia-de-1920 http://www.kirjasto.sci.fi/croce.htm
http://educacao.uol.com.br/biografias/benedetto-croce.jhtm
http://www.antoniogramsci.com/cittafutura.htm

TEXTOS DE GRAMSCI CONSULTADOS

- Os Indiferentes (1917).
- Marx e o reino da consciência (1918).
- Um ano de história (1918).
- Democracia operária (1919).
- Homens de Carne e Osso (1921).
- Alguns pontos preliminares de referência (sem data).
- Todo homem é filósofo (sem data).

OUTRAS OBRAS CONSULTADAS

- BAPTISTA, Maria das Graças de Almeida. Praxis e educação em Gramsci. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- BORGES, Regilson Maciel. Gramsci: os intelectuais e a produção da teoria. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. 2. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.15-53.
- _____. Escritos políticos. Vol. II. Lisboa, Portugal: Seara Nova. A escola de cultura.
- MANACORDA, Mario Alighiero. O princípio Educativo em Gramsci. São Paulo: Editora Alínea, 2008.
- _____. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias. 13. ed. 12. reimpressão. São Paulo: Cortez, 2010.
- MONASTA, Attilio. Antonio Gramsci. Tradução Paolo Nosella. Recife, Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. (Coleção educadores)
- PAIVA, Carlos Roberto et.al. Gramsci e a educação – Editorial. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- PISTRAK, Moisey Mikhaylovich. Fundamentos da escola do trabalho. Tradução de Daniel Aarão Reis Filho. 1. ed. 6. reimp. São Paulo: Expressão Popular, 2008

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