domingo, 7 de abril de 2019

Gramsci - Parte 1

O texto a seguir é a primeira parte de três (Parte 2 e Parte 3) e trata de um estudo para seminário sobre Gramsci. Era para ser utilizado apenas como consulta para a apresentação e por isso não houve rigor em apontar citações. Por fim, como tornou-se maior e mais completo do que esperado, optou-se por compartilhá-lo.
__________________________________________________________

Para entender as ideias de Gramsci é importante tentar compreender o que ele produziu ao longo da vida acompanhando o desenvolvimento de seu pensamento. Para dar suporte à empreitada, uma pergunta apontada por Monasta (2010, p. 29) talvez auxilie na condução do caminho trilhado por esse intelectual orgânico, usando o próprio termo gramsciano: “Qual é a função educativa de uma descrição objetiva (...) dos mecanismos da ideologia?”.

Seguindo uma linha do tempo entre 1891 e 1937, eventos marcantes na vida pessoal e política, assim como eventos nacionais e internacionais, fortaleceram ou esmoreceram os ideais de Gramsci, tornando, o conjunto, um caminho de idas e vidas com o único objetivo: compreender a ideologia e dobrá-la de modo que qualquer “camponês” possa “governar”.

Gramsci nasceu em 22 de janeiro de 1891, em Ales, na província de Cagliari, na Sardenha, Itália. Foi o quarto de sete filhos de Francesco Gramsci e Giuseppina Marcias. Sua relação como o pai não era próxima, mas tinha grande afeição por sua mãe. Dos seis irmãos, parece ter herdado o interesse pela leitura por influência da irmã mais nova, Teresina, e compartilhado interesses próximos com o irmão mais velho da família, Genaro (inclusive influenciando Gramsci em relação ao socialismo), e o caçula, Carlo. Quando Gramsci era ainda criança, adquiriu um defeito nas costas decorrente de uma doença, provavelmente poliomielite, e por isso não media mais do que 1,50 m, contudo é possível encontrar referências de que ficou corcunda por uma suposta queda das mãos de uma cuidadora quando tinha aproximadamente 4 anos.

Em 1897, seu pai Francesco foi preso e ficou encarcerado por cinco anos, por supostos abusos administrativos – Francesco trabalhava como ourives. Logo depois da prisão, sua mãe mudou-se com a família para Ghilarza, também na Sardenha, onde Gramsci frequentou a escola elementar. Foi uma época de muitas privações e fome. Sua mãe trabalhava fazendo costura e, ao que tudo indica, seu irmão Genaro tentava ajudar trabalhando na Câmara do Trabalho local, tornando-se posteriormente secretário do Partido Socialista Italiano.

Com o pai ainda preso em 1902, Gramsci chegou a trabalhar, com 11 anos, no escritório fiscal de Ghilarza – período em que abandonou a escola, mas não os estudos – o que já aponta indícios de sua disciplina em relação aos estudos.

Voltando à escola, finalizou os estudos secundários no Dettori Liceum, em Cagliari, onde morava com o irmão Genaro (foram aí os primeiros contatos com as demandas da classe trabalhadora), também vivendo em difíceis condições sem o apoio do pai, ao qual várias vezes referiu-se como negligente.

Com excelentes notas na escola, em 1911, tentou e conseguiu uma bolsa de estudos para o Colégio Carlo Alberto, em Turim, caracterizando uma fase, até 1915, de dedicação aos estudos. Gramsci optou por fazer Faculdade de Letras, tendo sido um brilhante estudioso de filosofia, história e línguas, em especial, glotologia (estudo dos dialetos). Neste período, formou sua matriz ideológica a partir do idealismo de Benedetto Croce (1866-1952).

Croce foi historiador e filósofo, figura eminente na Itália no início do séc. XX, estudioso de Hegel e Marx, e apesar rejeitar o determinismo marxista, ficou conhecido como tal. Elaborou sua própria filosofia do espírito, atrelando arte à história. Para ele, a arte deveria ser considerada acima da ciência. Foi considerado elitista e favorecedor da cultura espontânea, acrescida de uma tendência socialista um tanto contraditória – era a favor da democracia, mas não acreditava na sua possibilidade. Apesar de considerar o fascismo um movimento político promissor, mudou de ideia posteriormente tornando-se conhecido por sua postura antifascista. Com o fim da segunda Guerra, optou pela monarquia em oposição ao fascismo e ao socialismo.

Em 1913, com 22 anos, Gramsci abraçou a militância ao ingressar na Federação Juvenil Socialista, situação que aproveitou para estudar os jovens operários e estudar alemão para aprofundar os estudos marxistas.

Em 1914, estourou a Primeira Guerra Mundial e, no ano seguinte, por causa da saúde frágil e consequentes dificuldades financeiras, abandonou o curso em Turim, o que deve ter gerado controvérsias de ordem pessoal, tendo em vista as dificuldades em ingressar no ensino superior. Porém, com o abandono do curso, houve mais tempo para se dedicar à militância e ao jornal, tendo contribuído com críticas nas áreas do teatro e da política nos jornais Avanti! (tornando-se posteriormente parte do grupo editorial) e n’O grito do povo (semanário). Suas críticas eram sempre respaldadas historicamente defendendo a cultura e o fortalecimento da consciência operária. Em 1916, ainda em período de guerra, foi liberado do serviço militar por sua saúde debilitada.

Em 1917, já com 26 anos, publicou um jornal-opúsculo de quatro páginas, garantindo sua entrada na Federação Juvenil Socialista. O jornal-opúsculo, denominado A cidade futura, era composto pelos textos: Três princípios, três ordensOs indiferentesDisciplina e liberdadeAnalfabetismoA disciplinaDois convites à meditaçãoMargensModelo e realidadeO movimento jovem socialista – textos encontrados em português nas coletâneas de escritos políticos de Gramsci.

No mesmo ano, chegou a ser secretário do partido comunista italiano por um curto período, além de diretor e único redator do jornal O grito do povo. Essa situação se deu por causa da prisão de vários dirigentes socialistas regionais, consequência dos movimentos políticos da Primeira Guerra Mundial.

Tendo sido contemporâneo à Revolução Russa e vivido a Primeira Guerra Mundial, Gramsci entendia que as revoluções deveriam ser fundamentadas como um fato moral, uma referência ao ser, consequência da vontade geral. Especificamente, em relação à Revolução Russa, fez questão de valorizar o estabelecimento do sufrágio universal na Rússia que também foi estendido às mulheres; ademais, ressaltou favoravelmente a liberdade dada aos presos políticos e aos de baixa criminalidade como um ato de valorização do ser humano, um contraponto às vontades do cerceamento burguês – justificativa dada à maioria das causas das prisões.

De fato, antes da Revolução Russa podiam ser contadas 10 raças entre 170 milhões de habitantes que vinham perdendo a autonomia, a liberdade, buscando consciência. Em 1918, apesar da Rússia continuar na miséria e sua situação ainda ser de penúria, com pessoas sendo perseguidas e assassinadas, Gramsci mantinha esperanças em relação ao Estado comunista.

Em 1919, Gramsci fundou o jornal semanário Ordine Nuovo, com Angelo Tasca, Umberto Terracini e Palmiro Togliatti, cuja temática política e cultural tornou-se referência socialista. Ainda no mesmo ano foi eleito para a Comissão Executiva da seção de Turim do Partido Socialista Italiano. Sua participação nos conselhos em Turim (considerada a Cidade Vermelha por consequência da alta industrialização e movimentos proletários) tinham como tema a classe operária, o feminismo, revolução francesa, ópera, teatro, Revolução Francesa, entre outros temas, inclusive a importância da unificação do movimento socialista contra o fascismo crescente.

Enquanto estava na comissão, defendeu que as Comissões Internas fossem Conselhos de Fábrica no qual os operários deviam ter total participação na eleição e candidatura. Nesta época escreveu sobre as organizações sociais e a democracia operária. O estímulo aos movimentos operários era tamanho que em setembro de1919 houve a primeira eleição de um Conselho de Fábrica com 2 mil operários votantes e, ao final do ano, o Ordine Nuovo anunciou mais de 150 mil operários participando como votantes de outros conselhos.

Em relação ao funcionamento das organizações, para Gramsci, cada 15 operários, divididos por categorias, deveriam ser representados por um delegado eleito, dos delegados eleitos seriam eleitas outras pessoas e assim sucessiva e gradualmente, até que o comitê das fábricas fosse formado. Nos bairros residenciais, por exemplo, os comitês seriam integrados por delegados com profissões diversas e articulados de tal maneira que seria possível suspender todo trabalho a qualquer momento. Dos comitês nos bairros sairiam os comissariados urbanos, “controlados e disciplinados pelo Partido” e federações profissionais. No campo, a composição seguiria a mesma ideia, em especial considerando a desigualdade entre o sul e o norte italianos – rural e industrial, respectivamente.

Gramsci acreditava que o Estado proletário deveria ser definido a partir das organizações sociais em contraposição ao Estado burguês hierárquico e excludente, de modo que fosse possível gerir e manter o patrimônio nacional democraticamente. De acordo com ele, o Estado socialista já existia nas agremiações sociais, “características das classes trabalhadoras exploradas”, que deviam ser valorizadas e expandidas. Essa valorização se dava porque era impossível para o Partido Socialista e sindicatos darem conta de todos os trabalhadores – o partido encarregar-se-ia da coordenação ideológica, da doutrina, da orientação, da educação; os sindicatos do “controle e realizações parciais”; as agremiações sociais das ações pontuais.

Como Gramsci considerava que a filosofia estava contida na linguagem, no senso comum (e no bom senso) e na religião popular (estendido aí ao folclore), entendia que a filosofia faz parte da natureza histórico-social do homem e, por isso, seria possível um Estado socialista onde todos participassem politicamente. Para ele, os homens, ao pertencerem a um grupo, adotam uma determinada concepção de mundo, compartilhando modos de pensar e agir. Fazer autocrítica significa tornar essa concepção de mundo coerente, unitária, de pensamento evoluído, filosófica e historicamente construída.

Com os anos, Gramsci complementou esse pensamento unindo a filosofia à história da filosofia e a cultura à história da cultura. Neste sentido, a história situa o pensamento no presente, de modo a não cometer os erros passados e superados. Ademais, a linguagem atrelada à cultura deveria ser explorada tanto no sentido de aprender outros dialetos e línguas estrangeiras quanto outras culturas – desse modo, é possível a ampliação de concepções e interesses, reforçando, consequentemente a própria concepção do mundo. A ideia era tornar todos os homens intelectuais autocríticos participantes da política do Estado, assim como na sua gestão e manutenção, homens formadores do espírito público.

(Continua: Parte 2 e Parte 3)

OBRAS DE GRAMSCI EM PORTUGUÊS

Pré-cárcere
• Escritos políticos (4 volumes).
• Concepção dialética da história.
• Os intelectuais e a organização da cultura.
• Literatura e vida nacional.
• Maquiavel: a política e o Estado moderno.

Cárcere
• Cadernos do cárcere.
• Cartas do cárcere (mensagens a amigos e familiares).

SITES CONSULTADOS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci
http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Stalin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lenin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Benedetto_Croce
http://internationalgramscisociety.org
http://www.marxists.org/portugues/gramsci/index.htm
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/11/14/gramsci-o-intelectual-organico/
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/10/11/o-primeiro-gramsci/
http://www.diaart.org/gramsci-monument/page56.html
http://omarxismocultural.blogspot.pt/2014/01/o-grandioso-plano-de-antonio-gramsci.
http://www.revistarubra.org/dois-textos-de-antonio-gramsci/
http://www.litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=2077:trostky-e-a-italia-de-1920 http://www.kirjasto.sci.fi/croce.htm
http://educacao.uol.com.br/biografias/benedetto-croce.jhtm
http://www.antoniogramsci.com/cittafutura.htm

TEXTOS DE GRAMSCI CONSULTADOS

- Os Indiferentes (1917).
- Marx e o reino da consciência (1918).
- Um ano de história (1918).
- Democracia operária (1919).
- Homens de Carne e Osso (1921).
- Alguns pontos preliminares de referência (sem data).
- Todo homem é filósofo (sem data).

OUTRAS OBRAS CONSULTADAS

- BAPTISTA, Maria das Graças de Almeida. Praxis e educação em Gramsci. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- BORGES, Regilson Maciel. Gramsci: os intelectuais e a produção da teoria. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. 2. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.15-53.
- _____. Escritos políticos. Vol. II. Lisboa, Portugal: Seara Nova. A escola de cultura.
- MANACORDA, Mario Alighiero. O princípio Educativo em Gramsci. São Paulo: Editora Alínea, 2008.
- _____. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias. 13. ed. 12. reimpressão. São Paulo: Cortez, 2010.
- MONASTA, Attilio. Antonio Gramsci. Tradução Paolo Nosella. Recife, Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. (Coleção educadores)
- PAIVA, Carlos Roberto et.al. Gramsci e a educação – Editorial. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- PISTRAK, Moisey Mikhaylovich. Fundamentos da escola do trabalho. Tradução de Daniel Aarão Reis Filho. 1. ed. 6. reimp. São Paulo: Expressão Popular, 2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pelo comentário!