domingo, 7 de abril de 2019

Gramsci - Parte 2

O texto a seguir é a primeira parte de três (Parte 1 e Parte 3) e trata de um estudo para seminário sobre Gramsci. Era para ser utilizado apenas como consulta para a apresentação e por isso não houve rigor em apontar citações. Por fim, como tornou-se maior e mais completo do que esperado, optou-se por compartilhá-lo.
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Em 1920, na Itália, com as dificuldades decorrentes da 1ª Guerra, a insatisfação da população se manifestou mais intensamente. Os camponeses do sul reivindicavam reforma agrária e houve greve geral na Itália com a tomada, em especial, da fábrica da Fiat, na qual os donos e dirigentes foram expulsos e o Conselho operário tomou a direção. À época, são mais de 600 empresas ocupadas e 2 milhões de trabalhadores parados.

Após um período de negociações, os donos das empresas propuseram aumento de 20% mais pagamento dos dias parados, ao que os trabalhadores cederam por uma questão de sobrevivência. Apesar da suspensão da greve e decorrente perda proletária, Gramsci se comoveu com o que acontece e reconhece a humanidade na cessão – a necessidade de sobrevivência.

Em 1921, participou da fundação do Partido Comunista Italiano e, no ano seguinte, com a cisão da esquerda (socialistas favoráveis a mudanças via partidária, comunistas pregando reformas profundas), os fascistas "marcharam sobre Roma" (28 de outubro). O rei Vitor Emanuel III passou o poder para o Partido Fascista Italiano, na figura de Benito Almicare Andrea Mussolini (1880-1945) iniciando uma fase dolorosa na política Italiana.

Julia, Delio e Giuliano
Gramsci escapou de logo ter se tornado uma figura perseguida pela política vigente pois havia ido para a Rússia alguns meses antes, em maio, devido à saúde precária, ficando lá até final de 1923, como membro do Partido Comunista. Neste período em que esteve na Rússia conheceu Julia Schucht (1896-1980), com quem se casou e teve dois filhos Delio (1924-1981) e Giuliano (1926-2007).

A ida de Gramsci a Rússia o colocou frente à situação real. Mesmo considerando a necessidade de um tempo de maturação para o governo, Vladimir Lenin (1870-1924) o desiludiu – a teoria se mostrou diferente na prática, ou melhor, a teoria foi distorcida em uma prática às avessas, na qual Lenin a adequou a seus interesses. No governo leninista houve matanças, trabalhos forçados e visitas noturnas, de modo a manter o Estado assim como Lenin queria.

Com a conturbada morte de Lenin, em 1924, há uma cisão no partido comunista. São propostos dois nomes com divergências a respeito da forma como o Estado deveria se relacionar com a população. De um lado Léon Trotsky (1897-1940) propôs uma relação comunicativa, de outro Josef Stalin (1879-1953) uma relação autoritária. Com a subida de Stalin ao poder, a política de eliminação de opositores políticos utilizando tortura, campos de morte ou execução por esquadrões foi mantida e impulsionada. A tradição de distorção do socialismo assim continuou até a morte de Stalin, por derrame, em 1953. Estima-se que no período houve 4 milhões de presos políticos, dos quais 800 mil foram condenados a pena de morte. Comparativamente, 34 mil presos não políticos foram condenados à morte no mesmo período. Pelo visto, nenhum governo comunista foi coordenado verdadeiramente pelo proletariado, pela população, mas por uma minoria dita socialista e organizada que subiu ao poder e se mostrou autoritária.

Para Gramsci, a maior parte da população na Rússia não se sentia incomodada, o que poderia ser pela ausência de criticidade ou motivação para se envolver nas questões político econômicas. Para ele, o povo estava muito mais preocupado com Deus e o amor à família e à nação, o que implicava em lealdades divergentes das esperadas como quem se dispunha ao estabelecimento de outro tipo de Estado. Assim, por mais que as propostas fossem interessantes, a violência com que eram impostas afastavam a relação do ideário socialista com as massas.

Neste aspecto, sua visão relativa à hegemonia cultural e consenso moral emerge com mais profundidade. Como a crítica cultural advém do intelectual, o intelectual não pode e não deve ser neutro, apolítico, nem acima dos partidos. O intelectual é parte da superestrutura e elabora uma moral e uma cultura a serviço de um poder, de uma sociedade civil e política, num determinado bloco histórico. Por sua vez, o bloco histórico é uma estrutura social e uma superestrutura ideológica e política, sendo que na superestrutura há dois blocos: sociedade política (dominação direta e coercitiva) e sociedade civil (hegemônico no corpo social).

Como o conhecimento do qual o intelectual se alimenta faz parte das condições materiais, possibilitando o trabalho social, intelectual e manual, não era concebível o conhecimento como meio de manipulação ou subordinação de um a outro. Por isso, Gramsci atenta para a necessidade de se criar um intelectual orgânico, coletivo, capaz de captar a vida do proletário, suas necessidades, de caráter funcional, partindo do modelo da revolução francesa. Um intelectual nascido na massa, que entenda a cultural do povo, em contraposição ao modelo tradicional de intelectual centrado nas condições mentais, intelectuais, iludido pela sua autonomia decorrente do poder.

Vem daí a necessidade de uma escola unitária, para dar conta desse intelectual advindo das massas capaz de explorar a concepção de mundo historicamente construído, reconstruindo-o e mantendo-o, assim como permitindo a elevação cultural de um grupo – neste caso, até uma direção política, por exemplo.

Para Gramsci, essa concepção de mundo que se manifesta implicitamente na vida individual e coletiva, seja por meio da arte, da política, da atividade econômica, é a ideologia. Neste caso, a realidade social (infraestrutura produtiva) cria a ideologia (superestrutura) e não o contrário, sendo a ideologia o espaço no qual a consciência humana se forma. O estágio avançado dessa ideologia, como não poderia ser diferente, é a filosofia, alcançada pelos homens que se dispõe à autocrítica, a conhecer além do que está posto.

Como a filosofia, de caráter ideológico, está pautada na realidade social, teoria e prática se unem em práxis filosófica, numa consciência filosófica onde a prática produtiva se entrelaça com a prática revolucionária. Esse entrelaçamento é identificado quando o trabalho é compreendido como materialização da expressão humana. Assim, o senso comum deve ser tratado com a devida atenção tendo em vista sua formação a partir de uma prática, revolucionária ou não. Ademais, é dele que advém o consenso moral buscado por uma classe.

Além disso, havendo fortalecimento de uma determinada ideologia, a hegemonia de uma classe se fortalece apoiando-se nas limitações ideológicas impostas à outra. Em contrapartida, quando há grande coesão na classe hegemônica, há maior possibilidade de mobilização entre as outras classes. Se há consolidação filosófica em uma determinada classe, há então hegemonia em relação às outras.

Para se ter uma ideia da relação de classes e seu reflexo nas escolas da época, nos idos de 1920, Giovanni Gentile (1875-1944), outro filósofo italiano de ampla visão intelectual, liberal-conservador, pregava redução da população escolar tendo em vista que não deveria haver lugar para todos – considerava que aumentar a quantidade de crianças nas escolas diminuiria a qualidade do ensino – e por isso a escola deveria ser preparatória para os diferentes grupos sociais. Quinze anos depois, Giuseppe Bottai (1895-1959), intelectual e filósofo italiano, propôs um projeto de escola média única baseada na ampliação/ extensão do ambiente familiar, eliminando os excessos curriculares.

Gramsci, 1923
Em contraposição a esses pensamentos, Gramsci acreditava que a escola deveria ser um local de formação integral entre a ciência e a cultura, entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, pois a ciência já se apresentava entrelaçada à vida, às questões práticas, um pensamento bastante atrelado à Escola do Trabalho apresentada por Moisey Mikhaylovich Pistrak (1888-1940) em Fundamentos da escola do trabalho (2008).

No final de 1923, Gramsci voltou para a Itália e, mesmo desiludido com o rumo tomado pelo governo comunista autoritário russo, mantém suas ideias socialistas e aprofunda seu entendimento sobre vários temas vinculados à causa.

(Parte 1 e Parte 3)


OBRAS DE GRAMSCI EM PORTUGUÊS

Pré-cárcere
• Escritos políticos (4 volumes).
• Concepção dialética da história.
• Os intelectuais e a organização da cultura.
• Literatura e vida nacional.
• Maquiavel: a política e o Estado moderno.

Cárcere
• Cadernos do cárcere.
• Cartas do cárcere (mensagens a amigos e familiares).

SITES CONSULTADOS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci
http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Stalin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lenin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Benedetto_Croce
http://internationalgramscisociety.org
http://www.marxists.org/portugues/gramsci/index.htm
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/11/14/gramsci-o-intelectual-organico/
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/10/11/o-primeiro-gramsci/
http://www.diaart.org/gramsci-monument/page56.html
http://omarxismocultural.blogspot.pt/2014/01/o-grandioso-plano-de-antonio-gramsci.
http://www.revistarubra.org/dois-textos-de-antonio-gramsci/
http://www.litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=2077:trostky-e-a-italia-de-1920 http://www.kirjasto.sci.fi/croce.htm
http://educacao.uol.com.br/biografias/benedetto-croce.jhtm
http://www.antoniogramsci.com/cittafutura.htm

TEXTOS DE GRAMSCI CONSULTADOS

- Os Indiferentes (1917).
- Marx e o reino da consciência (1918).
- Um ano de história (1918).
- Democracia operária (1919).
- Homens de Carne e Osso (1921).
- Alguns pontos preliminares de referência (sem data).
- Todo homem é filósofo (sem data).

OUTRAS OBRAS CONSULTADAS

- BAPTISTA, Maria das Graças de Almeida. Praxis e educação em Gramsci. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- BORGES, Regilson Maciel. Gramsci: os intelectuais e a produção da teoria. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. 2. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.15-53.
- _____. Escritos políticos. Vol. II. Lisboa, Portugal: Seara Nova. A escola de cultura.
- MANACORDA, Mario Alighiero. O princípio Educativo em Gramsci. São Paulo: Editora Alínea, 2008.
- _____. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias. 13. ed. 12. reimpressão. São Paulo: Cortez, 2010.
- MONASTA, Attilio. Antonio Gramsci. Tradução Paolo Nosella. Recife, Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. (Coleção educadores)
- PAIVA, Carlos Roberto et.al. Gramsci e a educação – Editorial. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- PISTRAK, Moisey Mikhaylovich. Fundamentos da escola do trabalho. Tradução de Daniel Aarão Reis Filho. 1. ed. 6. reimp. São Paulo: Expressão Popular, 2008

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