sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

A mágica do Stop Motion

Durante os tempos de sala de aula, experimentei desenvolver atividades relacionadas a animações em stop motion com as turmas. 

É um desafio interessante, mas super válido para que as crianças entendam um pouquinho do quão complexo e divertido é o mundo do cinema. É uma forma de aproximá-los dos processos de criação e dos profissionais envolvidos.

Para os marinheiros de primeira viagem, vale a apresentação, orientações e dicas sobre o assunto que tanto fascina!

Stop motion é uma técnica de animação quadro a quadro, na qual se utiliza máquina de filmar, máquina fotográfica ou computador. 

No processo de criação são utilizados modelos reais de diversos materiais como recortes de papel, sobras de material eletrônico, peças velhas de automóveis, bonecos, arames, objetos em geral, sendo a massa de modelar (massinha) um dos materiais mais comuns.

O material utilizado para a criação dos stop motions cinematográficos tem que ser resistente e maleável para durar os muitos meses de produção. Um filme regular com 24 quadros, imagens ou frames por segundo leva mais de um ano para ser produzido.

Esses modelos, que pode ser ou não um objeto inanimado, são movimentados e fotografados sequencialmente quadro a quadro para que seu movimento seja simulado. Como muitas fotos são tiradas para expressar um único segundo, a câmera é fixada num ponto muito bem definido e o modelo sofre leves alterações para dar a ilusão de movimento. 

Como são necessários muitos meses de trabalho, vários modelos contêm sistemas de juntas mecânicas, com mecanismos de articulação complexos para facilitar os mínimos movimentos.

Depois dos quadros fotografados, as imagens são montadas em uma película cinematográfica ou em uma sequência digital, criando a ilusão de movimento, para então serem acrescentados efeitos sonoros como fala ou música.

Em termos científicos, a ilusão de movimento é devida à Persistência Retiniana. Quando a retina dos seus olhos está excitada pela luz ela envia impulsos para o cérebro, que por sua vez são interpretados como imagem pelo córtex cerebral. As células da retina continuam a enviar impulsos mesmo depois da luz ser removida. Isso continua por alguma fração de segundos até as células da retina voltarem ao normal. Enquanto isso, o cérebro continua a receber estímulos da retina e estes impulsos permanecem como uma imagem vinda da fonte luminosa, caracterizando assim o fenômeno da Persistência Retiniana. É nesse intervalo de permanência da imagem que, se nós sobrepusermos uma nova figura, tem-se a ilusão de movimento.

Há vários filmes conhecidos feitos com a técnica de stop motion: “A festa do monstro maluco” (1967), “O estranho mundo de Jack” (1993), “A fuga das galinhas” (2000), “A noiva cadáver” (2005), “Wallace e Gromit – a batalha dos vegetais” (2005), “Coraline e o mundo secreto” (2009), “Mary e Max” (2009) e “O fantástico Sr. Raposo” (2009). E também há filmes que misturam stop motion e live action – “James e o pêssego gigante” (1996) é um deles. No mundo há menos de duas centenas de filmes produzidos em stop motion.

Em 2013, a produtora brasileira Animaking, em parceria com uma produtora canadense, criou um longa metragem utilizando a técnica stop motion chamado “Minhocas”, o primeiro do tipo a ser produzido na América Latina (as outras produtoras são norte-americana e inglesa), ganhador de 11 prêmios. O filme tem duração de 80 minutos e foi montado com mais de 600 mil fotos ao longo de cinco anos.

Viagem à Lua

É possível dizer que George Mélies (1861-1938) inaugurou o uso de efeitos especiais no cinema usando o processo de animação em stop motion no inicio do séc XX. As bases para seus filmes eram contos de fadas, contos populares e as sagas de ficção científica de Júlio Verne.

Mélies era um grande mágico ilusionista francês que viu no cinema uma extensão natural de sua arte possibilitando resultados incríveis às suas transformações, metamorfoses e misteriosos truques de desaparecimento. Ele filmava uma imagem, parava a câmera, alterava a imagem, filmava novamente, parava a câmera e alterava de novo a imagem. 

Uma de suas obras-primas é o filme “Viagem à Lua” de 1902, baseado no livro homônimo de Júlio Verne. A matéria da Veja, "Cannes exibe cópia restaurada de ‘Viagem à Lua’, de 1902", disponível em https://veja.abril.com.br/cultura/cannes-exibe-copia-restaurada-de-viagem-a-lua-de-1902/, mostra um pouco a importância do filme da contribuição de Mélies ao cinema.

Depois de "Viagem à Lua", vários de seus filmes tiveram técnicas baseadas na ideia do stop motion.

Um filme que não pode ser esquecido ao tratar de stop motion foi produzido em 1982 pelo jovem artista americano Tim Burton (1958-), que na época trabalhava na Disney. 

Burton resolveu abraçar uma bizarra ideia: fazer um curta de terror em stop motion para crianças! “Vincent” conta a história de um estranho garotinho que sonha ser como o seu ídolo, o famoso artista de filmes de terror Vincent Price. 

O boneco criado por Burton era anguloso, de formato desconfortável, bizarro. O filme foi feito todo em preto e branco com narração do próprio Vincent Price.

Como o filme não podia ser considerado um filme Disney por estar fora dos padrões, não foi devidamente lançado. 

Burton produziu vários filmes live action como “Eduardo mãos de tesoura” (1990), “Marte ataca!” (1996) e “Alice no país das maravilhas” (2010), mas a ideia que tivera na época de “Vincent” ficou e o fez produzir um filme que é referência quando se fala em stop motion “O estranho mundo de Jack” (1993).

A produção do filme “O Estranho Mundo de Jack” reuniu os melhores animadores de stop motion da atualidade. Foi também o primeiro filme stop motion a ser distribuído no mundo todo. 

A construção dos assustadores personagens foi meticulosamente planejada para que eles realmente se parecessem com os rascunhos de Burton. Os sets eram elaborados com grotescas construções criando um mundo surreal, repleto de texturas estranhas. Foram feitos 227 bonecos, incluindo vampiros, fantasmas, lobisomens, múmias e muito mais. Muitos deles com várias cabeças ou faces para serem substituídas durante o processo de animação.

E do mundo do stop motion nasceram os brickfilms! 

Brickfilm

Brickfilm é um filme de animação no qual é utilizada a técnica de stop motion com os blocos Lego, para fazer o cenário, e com os minifigures Lego, para os atores. Muitas dessas animações encontram-se disponíveis no YouTube.

Aproveitando o mercado que prometia, a Lego lançou em 2000 um brinquedo, Lego Studios, com foco na atividade de produção de filmes em suas diversas etapas. Os temas foram criados a partir de uma parceria entre a Lego e produtora Steven Spielberg e permite a construção de cenários com peças Lego para a atuação de minifigures como personagens e figurantes. 

Além das peças, o pacote tem uma câmera digital, um CD-ROM para computador com software de edição e biblioteca de efeitos sonoros, e um manual com dicas e instruções para iniciantes. A franquia foi descontinuada em 2004 com um conjunto Lego Spider Man, porém a Brickfilms.com e os fãs do estilo não desanimaram.

No Brasil, em Paulínia (SP), há uma escola de stop motion que utiliza Lego em seus filmes. Nela, aprende-se a fazer roteiro, animação, caracterização e ambientação dos filmes como numa produtora cinematográfica.

Super dicas

Se você ficou animado, aí vão algumas dicas para fazer seu próprio stop motion!

  • Planeje sua filmagem – procure elaborar um roteiro, espaço de movimentação dos personagens e cenário para não ter nenhuma surpresa durante a filmagem e acabar perdendo tempo e trabalho.
  • Utilize menos quadros por segundo (fps) que uma produtora oficial. Elas normalmente utilizam 30 fps e fazer isso em stop motion amador dá muuuuuuito trabalho. Tente usar no máximo 12 fps - esse é um bom número!
  • Evite movimentar a câmera – quanto menos movimentar a câmera melhor será o resultado final. Experimente várias estruturas para segurar a câmera de modo que seja o mais estável e flexível possível! Isso vai fazer muita diferença na qualidade final da imagem.
  • Aproveite recursos do editor – alguns efeitos de movimentação podem ser adicionados na edição, o que poupa trabalho e evita erros durante as filmagens.
  • Suavidade de movimentação – para tornar mais real sua animação, suavidade nos movimentos é essencial. Isso pode ser incrementado através do efeito desfoque do editor de vídeos.
Atenção à luminosidade – Além de vários materiais alterarem a luminosidade do cenário, a luz do dia também influencia. Se forem filmar em área externa atenção ao ambiente e ao reflexo da luz solar. Se em espaço interno, é possível maior controle, inclusive com lâmpadas

Quer saber qual é o material necessário?

  • Lápis de cor, canetas hidrográficas, giz de cera, papel, massa de modelar, arame, sucata, objetos cotidianos (talheres, panelas, porta retratos), brinquedos, bonecos diversos...
  • Para as fotos você pode precisar de scanner, câmera fotográfica, computador com software para trabalhar com imagens em movimento, como Movie Maker (Microsoft), Muan (Linux) ou similar. 
  • Materiais complementares como mesa de luz, luminárias, lanternas e papel celofane, ou qualquer outro material que possa ser transformado em um modelo interessante ou que possa alterar a luminosidade do seu cenário.

Possíveis problemas com as fotos

A apresentação das fotos é essencial para um bom resultado. Por isso, aí vão algumas dicas:

  • Se a imagens estão ficando muito diferentes é porque a câmera não está fixa. Procure um tripé para apoiar a câmera ou prenda a câmera com fita adesiva numa lata ou caixa cheia de coisas para fazer peso.
  • Se a luz nas fotos não ficar a mesma, tente tirar as fotos sempre na mesma posição, com o mínimo de influência de objetos que se movam entre eles e a câmera. 
  • Se o dia estiver nublado, tente acender as lâmpadas dentro de casa, pois às vezes o sol aparece e muda a luz. Se estiverem ao ar livre, aproveitem um dia de sol e evitem espaços nos quais haverá variação de luz..
  • Se foco estiver instável, tente ver as imagens à medida que estão sendo tiradas. Em muitos aparelhos o foco muda automaticamente adequando-se à imagem. Tentem não deixar nada entre a câmera e o objeto que estão fotografando para não interferir no foco, mesmo que seja um pouquinho de grama, um pedaço do cenário. Qualquer objeto pode interferir, até mesmo uma mosca...
  • O uso de pessoas nas imagens não garante qualidade do stop motion, muito pelo contrário, demanda mais controle de luz, foco, câmera parada.

A ideia é produzir um filme quadro a quadro, posicionando os objetos para depois fazermos ser feita a edição das imagens e do som. Então, capriche nas imagens. Você terá menos trabalho depois!

Existem alguns softwares bem comuns para edição de imagens/vídeos. É provável que os alunos conheçam outros. Compartilhem!

  • Movie Maker (Microsoft);
  • Muan (Linux); 
  • Ipods tem editor gratuito para demonstração (depois tem que pagar);
  • JellyCam (não adiciona som).

Alguns outros editores deixam marca d’água. Avalie com os estudantes essas questões.

Música para nossos ouvidos

O som é muito importante na edição do stop motion. É ele que vai ditar o ritmo do filme. Se é um suspense a música tem um tempo mais marcado, com notas mais graves, se é uma comédia o som é mais fluido com toques de agudos, se é um romance... preciso nem dizer, né? 

Basta lembrar de algumas músicas como a vinheta do filme "Tubarão", a música do filme "Missão impossível",  um trecho da obra "As quatro estações" de Vivaldi...

Além disso, se a ideia for compartilhar os vídeos publicamente, é importante considerar a utilização de sons de trilha branca, sons gratuitos e livres ou sons gratuitos com a marca Creative Communs.

Assim, fiquem atentos aos sons que têm direitos autorais. Se forem publicar no Youtube, por exemplo, evite usá-los.

Experimente um desses sites...

  • http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do (tudo livre e gratuito com programas de rádio e várias músicas clássicas, algumas divertidas como A breeze from Alabama);
  • http://pdsounds.org/ (tudo livre e gratuito);
  • http://openmusicarchive.org/ (tudo livre e gratuito);
  • http://www.get-sounds.com/ (ao que tudo indica todos os arquivos livres e gratuitos);
Lembre-se de que não adianta só ser gratuito, tem que ser livre ou ter a marca CC!

Onde encontrar essas e outras informações

  • Como fazer uma animação em "stop-motion" nas aulas de Arte. Revista Nova Escola. Disponível em https://novaescola.org.br/conteudo/3592/como-fazer-uma-animacao-em-stop-motion-nas-aulas-de-arte. Acesso em 07/01/2022.
  • Como funciona um set de cinema? Revista Superinteressante. Disponível em https://super.abril.com.br/cultura/como-funciona-um-set-de-cinema/. Acesso em 07/01/2022.
  • Roteiro de cinema. Disponível em http://www.roteirodecinema.com.br/manuais/documentochamadoroteiro.htm Acesso em 07/01/2022.
  • How to make a brickfilm. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Effc2dMmOJE. Acesso em 07/01/2022.

Informações sobre filmes

  • ‘Minhocas’, primeiro longa em stop-motion do Brasil, foi feito com 600 mil fotos. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folhinha/2013/12/1388086-primeiro-longa-brasileiro-em-stop-motion-minhocas-foi-feito-com-600-mil-fotos.shtml Acesso em 07/01/2022.
  • Wikipedia. http://pt.wikipedia.org/
  • IMDb. http://www.imdb.com.

 Tomara que tudo isso facilite o processo por aí.

Divirtam-se!!! 

domingo, 7 de abril de 2019

Gramsci - Parte 2

O texto a seguir é a primeira parte de três (Parte 1 e Parte 3) e trata de um estudo para seminário sobre Gramsci. Era para ser utilizado apenas como consulta para a apresentação e por isso não houve rigor em apontar citações. Por fim, como tornou-se maior e mais completo do que esperado, optou-se por compartilhá-lo.
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Em 1920, na Itália, com as dificuldades decorrentes da 1ª Guerra, a insatisfação da população se manifestou mais intensamente. Os camponeses do sul reivindicavam reforma agrária e houve greve geral na Itália com a tomada, em especial, da fábrica da Fiat, na qual os donos e dirigentes foram expulsos e o Conselho operário tomou a direção. À época, são mais de 600 empresas ocupadas e 2 milhões de trabalhadores parados.

Após um período de negociações, os donos das empresas propuseram aumento de 20% mais pagamento dos dias parados, ao que os trabalhadores cederam por uma questão de sobrevivência. Apesar da suspensão da greve e decorrente perda proletária, Gramsci se comoveu com o que acontece e reconhece a humanidade na cessão – a necessidade de sobrevivência.

Em 1921, participou da fundação do Partido Comunista Italiano e, no ano seguinte, com a cisão da esquerda (socialistas favoráveis a mudanças via partidária, comunistas pregando reformas profundas), os fascistas "marcharam sobre Roma" (28 de outubro). O rei Vitor Emanuel III passou o poder para o Partido Fascista Italiano, na figura de Benito Almicare Andrea Mussolini (1880-1945) iniciando uma fase dolorosa na política Italiana.

Julia, Delio e Giuliano
Gramsci escapou de logo ter se tornado uma figura perseguida pela política vigente pois havia ido para a Rússia alguns meses antes, em maio, devido à saúde precária, ficando lá até final de 1923, como membro do Partido Comunista. Neste período em que esteve na Rússia conheceu Julia Schucht (1896-1980), com quem se casou e teve dois filhos Delio (1924-1981) e Giuliano (1926-2007).

A ida de Gramsci a Rússia o colocou frente à situação real. Mesmo considerando a necessidade de um tempo de maturação para o governo, Vladimir Lenin (1870-1924) o desiludiu – a teoria se mostrou diferente na prática, ou melhor, a teoria foi distorcida em uma prática às avessas, na qual Lenin a adequou a seus interesses. No governo leninista houve matanças, trabalhos forçados e visitas noturnas, de modo a manter o Estado assim como Lenin queria.

Com a conturbada morte de Lenin, em 1924, há uma cisão no partido comunista. São propostos dois nomes com divergências a respeito da forma como o Estado deveria se relacionar com a população. De um lado Léon Trotsky (1897-1940) propôs uma relação comunicativa, de outro Josef Stalin (1879-1953) uma relação autoritária. Com a subida de Stalin ao poder, a política de eliminação de opositores políticos utilizando tortura, campos de morte ou execução por esquadrões foi mantida e impulsionada. A tradição de distorção do socialismo assim continuou até a morte de Stalin, por derrame, em 1953. Estima-se que no período houve 4 milhões de presos políticos, dos quais 800 mil foram condenados a pena de morte. Comparativamente, 34 mil presos não políticos foram condenados à morte no mesmo período. Pelo visto, nenhum governo comunista foi coordenado verdadeiramente pelo proletariado, pela população, mas por uma minoria dita socialista e organizada que subiu ao poder e se mostrou autoritária.

Para Gramsci, a maior parte da população na Rússia não se sentia incomodada, o que poderia ser pela ausência de criticidade ou motivação para se envolver nas questões político econômicas. Para ele, o povo estava muito mais preocupado com Deus e o amor à família e à nação, o que implicava em lealdades divergentes das esperadas como quem se dispunha ao estabelecimento de outro tipo de Estado. Assim, por mais que as propostas fossem interessantes, a violência com que eram impostas afastavam a relação do ideário socialista com as massas.

Neste aspecto, sua visão relativa à hegemonia cultural e consenso moral emerge com mais profundidade. Como a crítica cultural advém do intelectual, o intelectual não pode e não deve ser neutro, apolítico, nem acima dos partidos. O intelectual é parte da superestrutura e elabora uma moral e uma cultura a serviço de um poder, de uma sociedade civil e política, num determinado bloco histórico. Por sua vez, o bloco histórico é uma estrutura social e uma superestrutura ideológica e política, sendo que na superestrutura há dois blocos: sociedade política (dominação direta e coercitiva) e sociedade civil (hegemônico no corpo social).

Como o conhecimento do qual o intelectual se alimenta faz parte das condições materiais, possibilitando o trabalho social, intelectual e manual, não era concebível o conhecimento como meio de manipulação ou subordinação de um a outro. Por isso, Gramsci atenta para a necessidade de se criar um intelectual orgânico, coletivo, capaz de captar a vida do proletário, suas necessidades, de caráter funcional, partindo do modelo da revolução francesa. Um intelectual nascido na massa, que entenda a cultural do povo, em contraposição ao modelo tradicional de intelectual centrado nas condições mentais, intelectuais, iludido pela sua autonomia decorrente do poder.

Vem daí a necessidade de uma escola unitária, para dar conta desse intelectual advindo das massas capaz de explorar a concepção de mundo historicamente construído, reconstruindo-o e mantendo-o, assim como permitindo a elevação cultural de um grupo – neste caso, até uma direção política, por exemplo.

Para Gramsci, essa concepção de mundo que se manifesta implicitamente na vida individual e coletiva, seja por meio da arte, da política, da atividade econômica, é a ideologia. Neste caso, a realidade social (infraestrutura produtiva) cria a ideologia (superestrutura) e não o contrário, sendo a ideologia o espaço no qual a consciência humana se forma. O estágio avançado dessa ideologia, como não poderia ser diferente, é a filosofia, alcançada pelos homens que se dispõe à autocrítica, a conhecer além do que está posto.

Como a filosofia, de caráter ideológico, está pautada na realidade social, teoria e prática se unem em práxis filosófica, numa consciência filosófica onde a prática produtiva se entrelaça com a prática revolucionária. Esse entrelaçamento é identificado quando o trabalho é compreendido como materialização da expressão humana. Assim, o senso comum deve ser tratado com a devida atenção tendo em vista sua formação a partir de uma prática, revolucionária ou não. Ademais, é dele que advém o consenso moral buscado por uma classe.

Além disso, havendo fortalecimento de uma determinada ideologia, a hegemonia de uma classe se fortalece apoiando-se nas limitações ideológicas impostas à outra. Em contrapartida, quando há grande coesão na classe hegemônica, há maior possibilidade de mobilização entre as outras classes. Se há consolidação filosófica em uma determinada classe, há então hegemonia em relação às outras.

Para se ter uma ideia da relação de classes e seu reflexo nas escolas da época, nos idos de 1920, Giovanni Gentile (1875-1944), outro filósofo italiano de ampla visão intelectual, liberal-conservador, pregava redução da população escolar tendo em vista que não deveria haver lugar para todos – considerava que aumentar a quantidade de crianças nas escolas diminuiria a qualidade do ensino – e por isso a escola deveria ser preparatória para os diferentes grupos sociais. Quinze anos depois, Giuseppe Bottai (1895-1959), intelectual e filósofo italiano, propôs um projeto de escola média única baseada na ampliação/ extensão do ambiente familiar, eliminando os excessos curriculares.

Gramsci, 1923
Em contraposição a esses pensamentos, Gramsci acreditava que a escola deveria ser um local de formação integral entre a ciência e a cultura, entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, pois a ciência já se apresentava entrelaçada à vida, às questões práticas, um pensamento bastante atrelado à Escola do Trabalho apresentada por Moisey Mikhaylovich Pistrak (1888-1940) em Fundamentos da escola do trabalho (2008).

No final de 1923, Gramsci voltou para a Itália e, mesmo desiludido com o rumo tomado pelo governo comunista autoritário russo, mantém suas ideias socialistas e aprofunda seu entendimento sobre vários temas vinculados à causa.

(Parte 1 e Parte 3)


OBRAS DE GRAMSCI EM PORTUGUÊS

Pré-cárcere
• Escritos políticos (4 volumes).
• Concepção dialética da história.
• Os intelectuais e a organização da cultura.
• Literatura e vida nacional.
• Maquiavel: a política e o Estado moderno.

Cárcere
• Cadernos do cárcere.
• Cartas do cárcere (mensagens a amigos e familiares).

SITES CONSULTADOS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci
http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Stalin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lenin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Benedetto_Croce
http://internationalgramscisociety.org
http://www.marxists.org/portugues/gramsci/index.htm
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/11/14/gramsci-o-intelectual-organico/
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/10/11/o-primeiro-gramsci/
http://www.diaart.org/gramsci-monument/page56.html
http://omarxismocultural.blogspot.pt/2014/01/o-grandioso-plano-de-antonio-gramsci.
http://www.revistarubra.org/dois-textos-de-antonio-gramsci/
http://www.litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=2077:trostky-e-a-italia-de-1920 http://www.kirjasto.sci.fi/croce.htm
http://educacao.uol.com.br/biografias/benedetto-croce.jhtm
http://www.antoniogramsci.com/cittafutura.htm

TEXTOS DE GRAMSCI CONSULTADOS

- Os Indiferentes (1917).
- Marx e o reino da consciência (1918).
- Um ano de história (1918).
- Democracia operária (1919).
- Homens de Carne e Osso (1921).
- Alguns pontos preliminares de referência (sem data).
- Todo homem é filósofo (sem data).

OUTRAS OBRAS CONSULTADAS

- BAPTISTA, Maria das Graças de Almeida. Praxis e educação em Gramsci. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- BORGES, Regilson Maciel. Gramsci: os intelectuais e a produção da teoria. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. 2. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.15-53.
- _____. Escritos políticos. Vol. II. Lisboa, Portugal: Seara Nova. A escola de cultura.
- MANACORDA, Mario Alighiero. O princípio Educativo em Gramsci. São Paulo: Editora Alínea, 2008.
- _____. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias. 13. ed. 12. reimpressão. São Paulo: Cortez, 2010.
- MONASTA, Attilio. Antonio Gramsci. Tradução Paolo Nosella. Recife, Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. (Coleção educadores)
- PAIVA, Carlos Roberto et.al. Gramsci e a educação – Editorial. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- PISTRAK, Moisey Mikhaylovich. Fundamentos da escola do trabalho. Tradução de Daniel Aarão Reis Filho. 1. ed. 6. reimp. São Paulo: Expressão Popular, 2008

Gramsci - Parte 3

O texto a seguir é a primeira parte de três (Parte 1 e Parte 2) e trata de um estudo para seminário sobre Gramsci. Era para ser utilizado apenas como consulta para a apresentação e por isso não houve rigor em apontar citações. Por fim, como tornou-se maior e mais completo do que esperado, optou-se por compartilhá-lo.
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Em novembro de 1926, Mussolini promulgou uma lei dissolvendo o parlamento e assumiu de vez o governo totalitário. Por seus ideais socialistas num governo fascista, Gramsci foi preso em 08 de novembro 1926, com 35 anos. Sua pena só foi decretada em 1928: 20 anos, 4 meses e 5 dias de cárcere.

Autorização para empréstimo de livros
Em 1929, conseguiu liberação para ler e escrever. Sua cunhada Tatiana Schucht (1887-1943), a irmã da esposa de Gramsci que o visitava semanalmente, levava livros, caderno, papel e lápis, material que utilizou para aprofundar suas ideias e fazer os registros futuramente conhecidos como Cartas do Cárcere e Cadernos do Cárcere. Além disso, Gramsci também era regularmente autorizado a ler livros das bibliotecas das prisões em que esteve – há listas em que constam até oito livros semanais. Em 1932, sua pena foi reduzida para 12 anos e 4 meses. Todas essas benesses que obteve enquanto estava preso, provavelmente foram devido às várias intervenções e pedidos por parte de amigos, em especial Piero Sraffa (economista e professor na Universidade de Cagliari).

De acordo com alguns autores, depois de 1932, Gramsci se afastou do Partido Comunista Italiano. É possível supor este rompimento por algumas sutilezas em seus textos como substituição de “classe proletária” por “grupos sociais”. De modo geral, a maturidade trouxe outro olhar às lutas de outrora, um olhar mais descompromissado com as dicotomias, mais compromissado com o entendimento, com a ética política.

Outros autores indicam que Gramsci saiu da prisão em 1934 para cumprir liberdade condicional, outros que saiu especificamente para tratamento a ser gozado numa clínica. Tendo mudado de clínica em 1937 para ter melhores condições de tratamento, Gramsci morreu de derrame, com sua cunhada Tatiana a seu lado. Contudo, também é possível ler que morreu em sua cela, de tuberculose, sozinho.

Ao longo dos nove anos de prisão escreveu 33 cadernos simultaneamente e divididos em temas, dos quais quatro são exercícios de tradução. Foram escritas 2.848 páginas de textos e notas nos quais registrou o que é a ditadura de proletariado, o conceito de hegemonia e ideologia, de intelectual orgânico e tradicional, e descrevendo uma profunda reforma educacional moral e intelectual das massas. Foi nos cadernos que Gramsci aprofundou suas ideias.

Dos cadernos, o que mais aborda o tema educação é o n. 12, complementado pelo n. 22 (Americanismo e fordismo) e n. 11 (Introdução à filosofia). Os cadernos foram salvos por sua cunhada Tatiana que os levou para fora da Itália. Apenas em 1947, com o fim da Segunda Guerra Mundial, seus cadernos foram editados e publicados de acordo com os temas em seis volumes pela editora Einaudi para serem, em 1975, reeditados, desta vez em ordem cronológica.

É importante ressaltar que a diversidade ideológica apresentada no mundo nos anos de 1930 (fordismo norte-americano, comunismo soviético e nazismo alemão) não esmoreceram o fervor crítico de Gramsci para tentar compreender os processos ideológicos permeados pela educação, economia e política.

Primeiro caderno (1929, 8 de fevereiro)
Aprofundando alguns conceitos em cárcere, Gramsci apontou que apesar de o intelectual não formar uma classe, tem poder sobre a superestrutura, um poder de cunho ideológico, e dividiu-o em dois tipos: orgânico e tradicional. Os tradicionais são os intelectuais que representam uma tradição histórica contínua: administradores, eruditos, cientistas, teóricos. Os orgânicos, como já antecipado, são aqueles que lideram intelectual e socialmente a sociedade por meio da educação e da cultura.

Na prisão, trocando cartas sobre sua sobrinha Mea e seus filhos, Gramsci passou a questionar também o desenvolvimento da criança e como esse desenvolvimento deve ser tratado na escola. Ele entendia que o espontaneísmo deve ser limitado à primeira infância, o que não significa deixar a criança à mercê de si mesma – a criança deve ser orientada, ensinada a se “conformar” com o social para que possa se adequar a ele, mesmo que para criticá-lo posteriormente. Por isso discorda de Rousseau e de Pestalozzi que propõe a total liberdade como forma de aprendizado.

Para Gramsci, é muito mais importante, apesar de difícil, priorizar a disciplina e a sociabilidade para então exigir sinceridade, espontaneidade, originalidade e personalidade, por isso valorizava os estudos que ao mesmo tempo tinham um caráter organizador e prática. Neste caso, usa o exemplo do ensino do latim: havia a rigidez da estrutura gramatical e paralelamente seu estudo histórico, o que trazia um entendimento da língua como um todo. Essa valorização da organização e da disciplina chega a ser tal que admira essas características no taylorismo e fordismo, e consequentemente na organização psicofísica norte americana – o que gerou algumas ideias errôneas sobre seu pensamento.

Gramsci também retoma com clareza a dicotomia entre o ensino clássico e o ensino técnico, divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, reforçando a necessidade de vínculo entre a escola e o trabalho. Mais uma vez, é uma situação na qual se apresenta favorável ao taylorismo, por deixar para trás a animalidade humana e indicar o caminho da racionalização e consequente possibilidade de autocrítica via intelectuais orgânicos.

Ademais, o conceito de educação em Gramsci, apesar de relacionado ao ensino escolar e à dicotomia nele presente, estende-se ao uso dos meios de comunicação, às ações políticas, sindicatos, ao trabalho, às tecnologias etc., ou seja, o conceito de educação em Gramsci é um conceito amplo. Contudo, seu conceito de sistema tradicional de educação, a escola, é orientado para a escola unitária, para a formação de intelectuais orgânicos, para o qual a Rússia pós-revolução tem alguns bons exemplos e que por motivos diversos não se sustentaram – Pistrak citado anteriormente é um exemplo.

Na década de 1980, Gramsci foi muito lido no Brasil. Isso pode ser justificado pela liberdade dada após anos de ditadura militar para a leitura de clássicos marxistas. Neste sentido, Gramsci atendia a necessidade de entendimento da ideologia e da conformação instalados à época, assim como a relação do poder político e econômico com o social. Infelizmente, nesta época, o historicismo por ele tratado não foi bem aceito – historicismo para Gramsci é a filosofia da práxis. Monasta (2010) explica que isto aconteceu porque os “ismos” vêm carregados de uma sutil depreciação e normalmente atrelados à metafísica, à salvação dos problemas. Monasta (2010) apontou quatro possíveis justificativas para tal: é frustrante para os brasileiros buscarem no passado, nada agradável, o entendimento e a prática do presente; a referência escolástica ainda é predominante no Brasil; o positivismo e a sua eterna novidade de pensar o presente para o futuro impera o pensamento contemporâneo; e a influência forte do estruturalismo.

Enfim, Gramsci é uma leitura densa e longa para um caminho tão curto, mas é rica em informações e conceitos que se adensam na medida em que as experiências vão sendo vividas pelo autor. A linha do tempo deixa isto explícito. O processo de construção dos escritos, do conhecimento gramsciano foi intrincadamente histórico e dialético.

(Parte 1 e Parte 2)


OBRAS DE GRAMSCI EM PORTUGUÊS

Pré-cárcere
• Escritos políticos (4 volumes).
• Concepção dialética da história.
• Os intelectuais e a organização da cultura.
• Literatura e vida nacional.
• Maquiavel: a política e o Estado moderno.

Cárcere
• Cadernos do cárcere.
• Cartas do cárcere (mensagens a amigos e familiares).

SITES CONSULTADOS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci
http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Stalin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lenin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Benedetto_Croce
http://internationalgramscisociety.org
http://www.marxists.org/portugues/gramsci/index.htm
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/11/14/gramsci-o-intelectual-organico/
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/10/11/o-primeiro-gramsci/
http://www.diaart.org/gramsci-monument/page56.html
http://omarxismocultural.blogspot.pt/2014/01/o-grandioso-plano-de-antonio-gramsci.
http://www.revistarubra.org/dois-textos-de-antonio-gramsci/
http://www.litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=2077:trostky-e-a-italia-de-1920 http://www.kirjasto.sci.fi/croce.htm
http://educacao.uol.com.br/biografias/benedetto-croce.jhtm
http://www.antoniogramsci.com/cittafutura.htm

TEXTOS DE GRAMSCI CONSULTADOS

- Os Indiferentes (1917).
- Marx e o reino da consciência (1918).
- Um ano de história (1918).
- Democracia operária (1919).
- Homens de Carne e Osso (1921).
- Alguns pontos preliminares de referência (sem data).
- Todo homem é filósofo (sem data).

OUTRAS OBRAS CONSULTADAS

- BAPTISTA, Maria das Graças de Almeida. Praxis e educação em Gramsci. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- BORGES, Regilson Maciel. Gramsci: os intelectuais e a produção da teoria. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. 2. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.15-53.
- _____. Escritos políticos. Vol. II. Lisboa, Portugal: Seara Nova. A escola de cultura.
- MANACORDA, Mario Alighiero. O princípio Educativo em Gramsci. São Paulo: Editora Alínea, 2008.
- _____. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias. 13. ed. 12. reimpressão. São Paulo: Cortez, 2010.
- MONASTA, Attilio. Antonio Gramsci. Tradução Paolo Nosella. Recife, Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. (Coleção educadores)
- PAIVA, Carlos Roberto et.al. Gramsci e a educação – Editorial. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- PISTRAK, Moisey Mikhaylovich. Fundamentos da escola do trabalho. Tradução de Daniel Aarão Reis Filho. 1. ed. 6. reimp. São Paulo: Expressão Popular, 2008

Gramsci - Parte 1

O texto a seguir é a primeira parte de três (Parte 2 e Parte 3) e trata de um estudo para seminário sobre Gramsci. Era para ser utilizado apenas como consulta para a apresentação e por isso não houve rigor em apontar citações. Por fim, como tornou-se maior e mais completo do que esperado, optou-se por compartilhá-lo.
__________________________________________________________

Para entender as ideias de Gramsci é importante tentar compreender o que ele produziu ao longo da vida acompanhando o desenvolvimento de seu pensamento. Para dar suporte à empreitada, uma pergunta apontada por Monasta (2010, p. 29) talvez auxilie na condução do caminho trilhado por esse intelectual orgânico, usando o próprio termo gramsciano: “Qual é a função educativa de uma descrição objetiva (...) dos mecanismos da ideologia?”.

Seguindo uma linha do tempo entre 1891 e 1937, eventos marcantes na vida pessoal e política, assim como eventos nacionais e internacionais, fortaleceram ou esmoreceram os ideais de Gramsci, tornando, o conjunto, um caminho de idas e vidas com o único objetivo: compreender a ideologia e dobrá-la de modo que qualquer “camponês” possa “governar”.

Gramsci nasceu em 22 de janeiro de 1891, em Ales, na província de Cagliari, na Sardenha, Itália. Foi o quarto de sete filhos de Francesco Gramsci e Giuseppina Marcias. Sua relação como o pai não era próxima, mas tinha grande afeição por sua mãe. Dos seis irmãos, parece ter herdado o interesse pela leitura por influência da irmã mais nova, Teresina, e compartilhado interesses próximos com o irmão mais velho da família, Genaro (inclusive influenciando Gramsci em relação ao socialismo), e o caçula, Carlo. Quando Gramsci era ainda criança, adquiriu um defeito nas costas decorrente de uma doença, provavelmente poliomielite, e por isso não media mais do que 1,50 m, contudo é possível encontrar referências de que ficou corcunda por uma suposta queda das mãos de uma cuidadora quando tinha aproximadamente 4 anos.

Em 1897, seu pai Francesco foi preso e ficou encarcerado por cinco anos, por supostos abusos administrativos – Francesco trabalhava como ourives. Logo depois da prisão, sua mãe mudou-se com a família para Ghilarza, também na Sardenha, onde Gramsci frequentou a escola elementar. Foi uma época de muitas privações e fome. Sua mãe trabalhava fazendo costura e, ao que tudo indica, seu irmão Genaro tentava ajudar trabalhando na Câmara do Trabalho local, tornando-se posteriormente secretário do Partido Socialista Italiano.

Com o pai ainda preso em 1902, Gramsci chegou a trabalhar, com 11 anos, no escritório fiscal de Ghilarza – período em que abandonou a escola, mas não os estudos – o que já aponta indícios de sua disciplina em relação aos estudos.

Voltando à escola, finalizou os estudos secundários no Dettori Liceum, em Cagliari, onde morava com o irmão Genaro (foram aí os primeiros contatos com as demandas da classe trabalhadora), também vivendo em difíceis condições sem o apoio do pai, ao qual várias vezes referiu-se como negligente.

Com excelentes notas na escola, em 1911, tentou e conseguiu uma bolsa de estudos para o Colégio Carlo Alberto, em Turim, caracterizando uma fase, até 1915, de dedicação aos estudos. Gramsci optou por fazer Faculdade de Letras, tendo sido um brilhante estudioso de filosofia, história e línguas, em especial, glotologia (estudo dos dialetos). Neste período, formou sua matriz ideológica a partir do idealismo de Benedetto Croce (1866-1952).

Croce foi historiador e filósofo, figura eminente na Itália no início do séc. XX, estudioso de Hegel e Marx, e apesar rejeitar o determinismo marxista, ficou conhecido como tal. Elaborou sua própria filosofia do espírito, atrelando arte à história. Para ele, a arte deveria ser considerada acima da ciência. Foi considerado elitista e favorecedor da cultura espontânea, acrescida de uma tendência socialista um tanto contraditória – era a favor da democracia, mas não acreditava na sua possibilidade. Apesar de considerar o fascismo um movimento político promissor, mudou de ideia posteriormente tornando-se conhecido por sua postura antifascista. Com o fim da segunda Guerra, optou pela monarquia em oposição ao fascismo e ao socialismo.

Em 1913, com 22 anos, Gramsci abraçou a militância ao ingressar na Federação Juvenil Socialista, situação que aproveitou para estudar os jovens operários e estudar alemão para aprofundar os estudos marxistas.

Em 1914, estourou a Primeira Guerra Mundial e, no ano seguinte, por causa da saúde frágil e consequentes dificuldades financeiras, abandonou o curso em Turim, o que deve ter gerado controvérsias de ordem pessoal, tendo em vista as dificuldades em ingressar no ensino superior. Porém, com o abandono do curso, houve mais tempo para se dedicar à militância e ao jornal, tendo contribuído com críticas nas áreas do teatro e da política nos jornais Avanti! (tornando-se posteriormente parte do grupo editorial) e n’O grito do povo (semanário). Suas críticas eram sempre respaldadas historicamente defendendo a cultura e o fortalecimento da consciência operária. Em 1916, ainda em período de guerra, foi liberado do serviço militar por sua saúde debilitada.

Em 1917, já com 26 anos, publicou um jornal-opúsculo de quatro páginas, garantindo sua entrada na Federação Juvenil Socialista. O jornal-opúsculo, denominado A cidade futura, era composto pelos textos: Três princípios, três ordensOs indiferentesDisciplina e liberdadeAnalfabetismoA disciplinaDois convites à meditaçãoMargensModelo e realidadeO movimento jovem socialista – textos encontrados em português nas coletâneas de escritos políticos de Gramsci.

No mesmo ano, chegou a ser secretário do partido comunista italiano por um curto período, além de diretor e único redator do jornal O grito do povo. Essa situação se deu por causa da prisão de vários dirigentes socialistas regionais, consequência dos movimentos políticos da Primeira Guerra Mundial.

Tendo sido contemporâneo à Revolução Russa e vivido a Primeira Guerra Mundial, Gramsci entendia que as revoluções deveriam ser fundamentadas como um fato moral, uma referência ao ser, consequência da vontade geral. Especificamente, em relação à Revolução Russa, fez questão de valorizar o estabelecimento do sufrágio universal na Rússia que também foi estendido às mulheres; ademais, ressaltou favoravelmente a liberdade dada aos presos políticos e aos de baixa criminalidade como um ato de valorização do ser humano, um contraponto às vontades do cerceamento burguês – justificativa dada à maioria das causas das prisões.

De fato, antes da Revolução Russa podiam ser contadas 10 raças entre 170 milhões de habitantes que vinham perdendo a autonomia, a liberdade, buscando consciência. Em 1918, apesar da Rússia continuar na miséria e sua situação ainda ser de penúria, com pessoas sendo perseguidas e assassinadas, Gramsci mantinha esperanças em relação ao Estado comunista.

Em 1919, Gramsci fundou o jornal semanário Ordine Nuovo, com Angelo Tasca, Umberto Terracini e Palmiro Togliatti, cuja temática política e cultural tornou-se referência socialista. Ainda no mesmo ano foi eleito para a Comissão Executiva da seção de Turim do Partido Socialista Italiano. Sua participação nos conselhos em Turim (considerada a Cidade Vermelha por consequência da alta industrialização e movimentos proletários) tinham como tema a classe operária, o feminismo, revolução francesa, ópera, teatro, Revolução Francesa, entre outros temas, inclusive a importância da unificação do movimento socialista contra o fascismo crescente.

Enquanto estava na comissão, defendeu que as Comissões Internas fossem Conselhos de Fábrica no qual os operários deviam ter total participação na eleição e candidatura. Nesta época escreveu sobre as organizações sociais e a democracia operária. O estímulo aos movimentos operários era tamanho que em setembro de1919 houve a primeira eleição de um Conselho de Fábrica com 2 mil operários votantes e, ao final do ano, o Ordine Nuovo anunciou mais de 150 mil operários participando como votantes de outros conselhos.

Em relação ao funcionamento das organizações, para Gramsci, cada 15 operários, divididos por categorias, deveriam ser representados por um delegado eleito, dos delegados eleitos seriam eleitas outras pessoas e assim sucessiva e gradualmente, até que o comitê das fábricas fosse formado. Nos bairros residenciais, por exemplo, os comitês seriam integrados por delegados com profissões diversas e articulados de tal maneira que seria possível suspender todo trabalho a qualquer momento. Dos comitês nos bairros sairiam os comissariados urbanos, “controlados e disciplinados pelo Partido” e federações profissionais. No campo, a composição seguiria a mesma ideia, em especial considerando a desigualdade entre o sul e o norte italianos – rural e industrial, respectivamente.

Gramsci acreditava que o Estado proletário deveria ser definido a partir das organizações sociais em contraposição ao Estado burguês hierárquico e excludente, de modo que fosse possível gerir e manter o patrimônio nacional democraticamente. De acordo com ele, o Estado socialista já existia nas agremiações sociais, “características das classes trabalhadoras exploradas”, que deviam ser valorizadas e expandidas. Essa valorização se dava porque era impossível para o Partido Socialista e sindicatos darem conta de todos os trabalhadores – o partido encarregar-se-ia da coordenação ideológica, da doutrina, da orientação, da educação; os sindicatos do “controle e realizações parciais”; as agremiações sociais das ações pontuais.

Como Gramsci considerava que a filosofia estava contida na linguagem, no senso comum (e no bom senso) e na religião popular (estendido aí ao folclore), entendia que a filosofia faz parte da natureza histórico-social do homem e, por isso, seria possível um Estado socialista onde todos participassem politicamente. Para ele, os homens, ao pertencerem a um grupo, adotam uma determinada concepção de mundo, compartilhando modos de pensar e agir. Fazer autocrítica significa tornar essa concepção de mundo coerente, unitária, de pensamento evoluído, filosófica e historicamente construída.

Com os anos, Gramsci complementou esse pensamento unindo a filosofia à história da filosofia e a cultura à história da cultura. Neste sentido, a história situa o pensamento no presente, de modo a não cometer os erros passados e superados. Ademais, a linguagem atrelada à cultura deveria ser explorada tanto no sentido de aprender outros dialetos e línguas estrangeiras quanto outras culturas – desse modo, é possível a ampliação de concepções e interesses, reforçando, consequentemente a própria concepção do mundo. A ideia era tornar todos os homens intelectuais autocríticos participantes da política do Estado, assim como na sua gestão e manutenção, homens formadores do espírito público.

(Continua: Parte 2 e Parte 3)

OBRAS DE GRAMSCI EM PORTUGUÊS

Pré-cárcere
• Escritos políticos (4 volumes).
• Concepção dialética da história.
• Os intelectuais e a organização da cultura.
• Literatura e vida nacional.
• Maquiavel: a política e o Estado moderno.

Cárcere
• Cadernos do cárcere.
• Cartas do cárcere (mensagens a amigos e familiares).

SITES CONSULTADOS

http://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci
http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Stalin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lenin
http://pt.wikipedia.org/wiki/Benedetto_Croce
http://internationalgramscisociety.org
http://www.marxists.org/portugues/gramsci/index.htm
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/11/14/gramsci-o-intelectual-organico/
http://letrasparaumrio.wordpress.com/2011/10/11/o-primeiro-gramsci/
http://www.diaart.org/gramsci-monument/page56.html
http://omarxismocultural.blogspot.pt/2014/01/o-grandioso-plano-de-antonio-gramsci.
http://www.revistarubra.org/dois-textos-de-antonio-gramsci/
http://www.litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=2077:trostky-e-a-italia-de-1920 http://www.kirjasto.sci.fi/croce.htm
http://educacao.uol.com.br/biografias/benedetto-croce.jhtm
http://www.antoniogramsci.com/cittafutura.htm

TEXTOS DE GRAMSCI CONSULTADOS

- Os Indiferentes (1917).
- Marx e o reino da consciência (1918).
- Um ano de história (1918).
- Democracia operária (1919).
- Homens de Carne e Osso (1921).
- Alguns pontos preliminares de referência (sem data).
- Todo homem é filósofo (sem data).

OUTRAS OBRAS CONSULTADAS

- BAPTISTA, Maria das Graças de Almeida. Praxis e educação em Gramsci. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- BORGES, Regilson Maciel. Gramsci: os intelectuais e a produção da teoria. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. 2. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p.15-53.
- _____. Escritos políticos. Vol. II. Lisboa, Portugal: Seara Nova. A escola de cultura.
- MANACORDA, Mario Alighiero. O princípio Educativo em Gramsci. São Paulo: Editora Alínea, 2008.
- _____. História da Educação. Da antiguidade aos nossos dias. 13. ed. 12. reimpressão. São Paulo: Cortez, 2010.
- MONASTA, Attilio. Antonio Gramsci. Tradução Paolo Nosella. Recife, Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. (Coleção educadores)
- PAIVA, Carlos Roberto et.al. Gramsci e a educação – Editorial. In: Filosofia e Educação (Online), Revista Digital do Paideia, Campinas, SP: Unicamp. v. 2, n. 1, Abr-Set 2010.
- PISTRAK, Moisey Mikhaylovich. Fundamentos da escola do trabalho. Tradução de Daniel Aarão Reis Filho. 1. ed. 6. reimp. São Paulo: Expressão Popular, 2008

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Simetria...

Tem um tempão que não posto por aqui. Maior parte das vezes acabo postando no blog das atividades que desenvolvo na escola em que trabalho. http://eductecnologica-sigma.blogspot.com.br/

Nem por isso fico sem vontade de postar algo por aqui. E exatamente por isso, aproveitando o ensejo, vale compartilhar experiências relacionadas ao conceito e tipos de simetria assim como o resultado de uma das atividades desenvolvidas com minhas turmas.

Como trabalho com introdução a robótica e utilizamos o EV3 pra construir robôs e etc, o tema simetria acaba aparecendo com frequência nas conversas que tenho com os grupos, sempre com o intuito de tornar as construções que os grupos fazem mais agradáveis visualmente.

Foi então que revirando uns livros aqui em casa, encontrei um paradidático que tem um exercício sobre simetria utilizando recorte de folhas quadradas de modo a fazer pequenos modelos que lembram flocos de neve, às vezes lembrando também fractais. Buscando mais uma ideias, lembrei que o uso de espelhos e caleidoscópios também auxiliam na compreensão dos diferentes tipos de simetria.

Resultado do levantamento? Dois arquivos totalmente disponíveis para compartilhamento via 4shared! Uma apresentação com várias imagens para tratar dos tipos de simetria http://www.4shared.com/file/7Bax2xENce/Simetria_-_Fund_II.html, e mais algumas ideias para exercícios de simetria usando recortes que fiz na época da graduação em 1994, mas ainda são totalmente válidos! http://www.4shared.com/office/PswPCLJoba/Simetria.html

Não usei a apresentação em todas as turmas do fund II. Achei que ficaria um tanto enfadonho para os mais novos. Mostrei para os 8ºs e 9ºs e rimos bastante com as figuras humanas. Com os 6ºs fiz as dobraduras com recortes e estou pensando em fazermos caleidoscópios com os 7ºs anos que até agora não fizeram nenhum experimento diferente... Apesar de se divertirem um monte!

O importante era apresentar os diferentes tipos de simetria (por rotação, reflexão e translação) e atentar para a simetria nas construções.

Dos recortes com os 6ºs anos surgiram figuras lindas que colei nas janelas da sala de aula! Fora que alguns levaram embora o que fizeram...


 Na semana que vem farei o exercício dos recortes com os 7ºs anos. Se entendem bem o conceito de simetria e percebem onde são as dobras que irão formar os eixos de simetria, os recortes ficam lindos. Ainda mais que temos várias folhas quadradas em amarelo, rosa e verde!