sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Uma lupa para olhar a escola: um viés positivista da observação de aula

Noutro dia, em aula, conversamos sobre a reportagem que saiu na Folha de São Paulo, 17 janeiro 2011, sobre observação de aulas. O nome da reportagem era Ensino público: um outro olhar. E por alguns momentos me lembrei de uma série de coisas...

Quando trabalhava numa empresa privada atendendo escolas que tinham adotado o projeto da empresa, sempre ficava esquadrinhando boas ações nas escolas particulares que atendia. Via de regra, não havia preocupação da direção ou melhor dos donos das escolas com questões de ordem pedagógicas. Interessava apenas o cliente satisfeito e a entrada de recursos para render lucro e quem sabe ampliar a escola. Literalmente uma empresa como outra qualquer.

Acontece que encontrar as boas ações, ou melhor, ações que de alguma maneira tinham retorno pedagógico positivo no processo ensino aprendizagem era um achado! É, isso mesmo... Não era fácil encontrar algo que destoasse do padrão de aula conteudista, provas longas e densas ou eventos associados ao calendário de feriados.

Numa dessas escolas, havia uma coordenadora, a meu ver (e pelo menos enquanto eu estava por perto), exemplar. Estava sempre disposta a conversar com os professores, trocava ideias e... tinha uma proposta peculiar de acompanhamento próximo: ela se dispunha a cada período do dia a assistir alguma aula dos professores e conversar com os mesmos sobre a atuação em sala. Algo bem tranquilo e que vi alguns professores cobrarem dela: Já tem duas semanas que você não vai lá. Queria te mostrar uma coisa...

Lembro que na hora só pensava que a ideia deveria ser muito boa se não houvesse qualquer resistência por parte dos professores ou pressão por parte da coordenadora. O peculiar dessa movimentação era a possibilidade de um olhar externo pelo qual muitas vezes, enquanto professores solitariamente em sala de aula, procuramos mas não temos coragem de assumir ou de adotar, tendo em vista que é difícil reconhecer erros, aceitá-los e concertá-los.

Ao ler a reportagem da Folha de São Paulo, todas aquelas ponderações voltaram.

Não posso negar que adoraria ter algum colega assistindo minhas aulas para que me dar dicas, sugestões, que fizesse críticas construtivas ou não (é meio difícil encontrar intervenções positivas para todo tipo de atividade ou ação - é um exercício ferrenho). Mas quem sabe quando eu voltar a dar aula eu encontre alguém disposto, e que tenha tempo (muito importante esse fator!), para trocar esse tipo de experiência comigo. Acredito serem válidas por estimularem o trabalho em grupo, a crítica construtiva, a experimentação, o diálogo na equipe docente e consequentemente na escola.

A questão é que reportagem me incomodou muito pelo fato de serem examinadores externos nas salas de aula! Quem se sentiria bem numa situação dessas? E não estou falando apenas de professores. Que profissional se sujeitaria a uma situação dessas?

Tudo bem, é inegável que a visão de um examinador externo é interessante pelo fato de ser mais objetiva. Mas talvez exatamente isso é que não seja legal: essa objetividade externa desconsidera que posso estar num dia ruim (como qualquer outro ser humano), que a escola tem necessidades específicas (diálogo, abertura para a comunidade etc), que há condições de trabalho a serem ponderadas (condições físicas, psicológicas, de apoio pedagógico), que o trabalho em grupo do corpo docente deve ser estimulado (e não demandado a uma pessoa externa).

Uma atividade desse tipo desestimula a integração entre os professores, pode gerar competitividade, individualização e priorizar métodos de ensino mais técnicos, baseados em técnicas de abordagem pedagógica como falar brincando, criar musiquinha para memorizar situações etc. Não que isto seja ruim, não é o caso discutir isto agora, mas não é só isso que importa!

E outra, quem são esses examinadores? Foram treinados? Treinados para fazer o que? Com que qualificação? Curso rápido de dois meses? Que tipo de orientação teórica, epistemológica receberam? É em prol dos interesses de quem? Que padrões de trabalho estão sendo usados? Que argumentos teóricos poderão ser levados à discussão? Que tipo de justificativas serão ponderadas? Acho que são dúvidas o suficiente para não concordar com tal postura.

Definitivamente, o que salta aos olhos é a Administração Científica do Trabalho de Taylor misturada às concepções toyotistas de trabalho, entrando com cada vez mais força no espaço escolar. Uma pena! Ao invés de nos humanizarmos para um mundo que precisa de trabalho coletivo para superar os problemas atuais (sociais, ambientais, econômicos etc.), estamos objetivando o que restou de humanidade. Ao invés de desenvolvermos a estética, a criatividade, a ética e a moral em nossos alunos, estamos ensinando-os a ver o mundo como regras e padrões.

Nossa! Imagine se isto vier a se tornar política pública educativa?

Enfim, para quem quiser dar uma olhada, encontrei a reportagem na íntegra no blog Conteúdo livre e a imagem do texto da Folha de São Paulo na página do blog Instituto Crescer para a Cidadania.

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