No entanto, olhando cuidadosamente, as dificuldades econômicas vivenciadas por algumas famílias podem ser muitas vezes justificadas exatamente pela falta de acesso a escola universalizada dos últimos anos e que não cobriu as algumas gerações das famílias menos favorecidas.
Além disto, a questão cultural é questionável quando considerarmos cultura não apenas como modo de vida ou homem letrado ou erudito nem muito menos como o legado deixado de pais e mães para filho(a)s mas como um conjunto de ações, de intenções na vivência social, entre sujeitos e suas subjetividades. A cultura faz parte do nosso dia a dia, do nosso local, da forma como nos encontramos no meio no qual vivemos. Por isto, talvez seja injusto dizer que há crianças e famílias aculturadas, pelo contrário! Apesar de escutarmos incessantemente que a cultura deve ser respeitada, que os artesãos da ilha de Marajó e os industriais da grande São Paulo tem cada qual sua cultura, não podemos desconsiderar sua presença na escola; presença esta constituidora do aluno enquanto sujeito aluno e futuro adulto.
Isto significa que não faz sentido tentar aprofundar uma proposta que resolva as dificuldades encontradas nas escolas sem considerar os aspectos culturais que continuam fazendo parte da vida do aluno. Precisamos lembrar que vida escolar é diferente da vida cotidiana: nossas crianças não passam o dia todo na escola, e não vivem todos os seus anos na escola.
Assim, talvez seja interessante não fornecer caminhos concretos, verdadeiros e únicos para uma escola inclusiva, mas ponderar sobre a valorização da cultura como parte da vida. Não que a escola tenha apenas como função a preparação para a vida social, para o trabalho, mas considerando que a escola deveria ter como foco o desenvolvimento do indivíduo consciente.
Além disto, quando falo de cultura, não me refiro à cultura branca, europeia, loira, heterossexual, masculina, que está presente nos livros didáticos, ditadores do currículo escolar, um absurdo tendo em vista que tendem a moldar a produtividade docente e por conseguinte impor uma divisão do trabalho material (prática pedagógica) e trabalho intelectual (práxis pedagógica). A cultura a que me refiro trata-se da cultura das músicas locais expressas pelos concursos de música brasileira, potiguares ou soteropolitanos, das comidas regionais como o berém caindo em desconhecimento por não terem espaço frente à ditadura das monoculturas em oposição às roupas coloridas, dos sotaques, dos cabelos encaracolados, enrolados, mas não lisos e loiramente coloridos como numa tentativa de negar sua origem.
Nessas horas me lembro do pronunciamento da nigeriana Chimamanda Adichie: Os perigos de uma história única, já postado aqui no blog. É uma pena nem todos terem oportunidade de mudar de país ou cidade contando com a possibilidade de, ao longo caminhos experimentais, enxergarmos nossas raízes, nossos valores, nossos verdadeiros “eu”.
Enfim, não podemos nos dar ao luxo de justificar as dificuldades de nossos alunos pela deficiência cultural e/ou econômica de seus pais, mães e familiares sem ao menos os conhecer, sem ao menos saber que tipo de bagagem eles podem trazer em suas pequenas grandes malas. É duro, mas temos que conhecer e reconhecer cada um de nossos alunos para que possamos fazer um bom trabalho... E aí vem outra dificuldade... Como fazer isto com as atuais condições das escolas brasileiras?.... Mas este fica para outro dia....